Não somos deleuzianos: Da impossibilidade da aplicação do adjetivo “deleuziano”: não somos deleuzianos: da impossibilidade de aplicação
É impossível ser “deleuziano”. Uma coisa assim seria um assassinato, ou no mínimo uma traição. Um disparate, sem a elegância do paradoxo. A filosofia de Deleuze é a insistência na filosofia como criação de conceitos, é criação. Se faz algum sentido estudar os filósofos do passado é para lhes roubar, ingerir e metabolizar, fagocitar e tornar outro. A utilidade e graça de estudar um filósofo de outros tempos é a da possibilidade de destacar algum conceito seu de sua filosofia e reutilizar no nosso problema, torcê-lo até caber no nosso trabalho sobre nossas questões. Algumas partes se repetem, em busca de diferença, outras já nos surgem distorcidas ao ponto monstro, são outras criações, outras tentativas de pensamento, ensaios. E esse movimento, sim, nos mobiliza, nos faz girar e insistimos nesses percursos de pensamento. Remendados loucos.
Alguma coisa como “ser deleuziano” seria impossível, portanto, por duas razões: pelo “deleuziano” quando significa não esse movimento criativo de pensamento que destaca e remenda e borda por cima, mas entendido como reprodução palavras/conceitos/bláblás, reprodução de percepções e pensamentos, reduzindo a vida a mundos regurgitados e: impossível também pelo “ser”, que remete a uma essência, uma substância à qual se deve fidelidade, o que é nada na filosofia de Deleuze, algo que ficou nas profundezas dos profundos enquanto a vida passou intensa e rápida, na superfície.
Se não somos deleuzianos, por que tagarelamos tanto Deleuze? Por que resolvemos habitar suas formações discursivas e as reproduzimos – sem fazer ficar diferente – ad infinitum em nossos próprios discursos?
Se não somos deleuzianos, por que nos tornamos intolerantes às filosofias outras? Por que começamos a achar que elas não possuem nada de interessante que possamos roubar?
Se não somos deleuzeanos, por quê?
Enfim, por quê?